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O pro labore é obrigatório para sócios? A distribuição de lucros é sempre isenta de IR?


A efetiva natureza dos valores advindos da distribuição de lucros e a obrigatoriedade ou não de retirar pro labore são um dos muitos imbróglios contábeis e jurídicos de nosso país além de suscitar muitas dúvidas para novos e antigos empresários. Duas perguntas são importantes para iniciar:


1. Os valores que recebo a título de distribuição de lucros são isentos de INSS e imposto de renda?


2. Sou obrigado a retirar pro labore mensal?


Sejamos sinceros. O presente texto não tem qualquer expectativa de extinguir as dúvidas ou servir como manual de conduta. Lançaremos mão de algumas bases legais e informações práticas, com linguagem bem simples, a fim de embasar análise dos empresários e, ao final, sugerir procedimentos e suscitar discussão sobre o tema. É possível que para alguns leitores o texto traga mais perguntas do que respostas entretanto acreditamos que para muitos será um auxílio em prol da segurança jurídica da empresa e dos sócios.


Os valores que recebo a título de distribuição de lucros são isentos de INSS e IRPF?


Desde 01/01/1996 os lucros e dividendos recebidos por pessoas física ou jurídica são isentos de imposto sobre a renda (vide artigo 10 da Lei 9.249/1995). Diante da claro comando legal devemos afirmar que não, o lucro distribuído não deve ser tributado. Entretanto, como quase tudo em nosso ambiente tributário, nada é tão exato.


O valor tido como distribuição de lucros é advindo de um fechamento contábil que irá apontar o resultado entre receitas e despesas da empresa no exercício. Se o resultado é negativo (prejuízo) não há valor de lucro à distribuir. Se o resultado é positivo (lucro) o valor será distribuído integral ou parcialmente aos sócios na forma combinada entre eles (acordo societário) ou conforme estipulado no Contrato Social.


Se observa assim a primeira obrigação para conseguir distribuir lucro não incidente sobre imposto de renda: a necessidade de documentos contábeis aptos à amparar a existência de lucro (parágrafo 5º do art. 47 da IN-RFB 971/2009).


Ao contrário do que muitos pensam a distribuição de lucro não precisa ser feita apenas no fim do ano contábil. Existe a figura da antecipação de lucro através de realização de balanços intermediários (mensais, trimestrais, etc). Mas atenção! Além de, como já dito acima, haver imperativa necessidade de documentos contábeis oficiais e regulares para amparar a existência de lucro se, ao fim do ano contábil, o lucro apurado no ano for inferior ao total distribuído antecipadamente, toda a diferença deve ser tratada como remuneração e portanto sujeita a IR e INSS.




Outro cuidado muito importante é averiguar se o Contrato Social de sua empresa conta com cláusula apta a autorizar o levantamento de balanços periódicos. Geralmente os profissionais contábeis esquecem de fazer constar nos modelos de Contrato Social duas cláusulas fundamentais:


- Que autorize a emissão de balanços com periodicidade inferior ao ano contábil e distribuição de antecipações de lucros;


- Que permita aos sócios distribuir os lucros de forma dissociada dos percentuais de capital social, mediante Acordo Societário.


Então, se você tem contabilidade regular e amparada em documentos legítimos, o Contrato Social autoriza balanços intermediários e tem lucro no ano, pode distribuir lucro mensalmente isento de imposto de renda pessoa física (IRPF) .


Quanto ao INSS o assunto é um pouco mais simples. Por força do parágrafo 1º, artigo 201 do Decreto 3.048/1999 o "lucro distribuído ao segurado empresário" não é base de cálculo para contribuições previdenciárias. Entretanto é importante ter os mesmos cuidados contábeis já citados para amparar existência de lucro.


Em caso de fiscalização, na dúvida sobre os documentos ou lançamentos contábeis, o lucro pode ser interpretado como remuneração conforme define o parágrafo quinto, artigo 201 do Decreto 3.048/1999.


Ou seja, para que efetivamente o lucro não seja interpretado como base de cálculo do INSS deve estar amparado em contabilidade fidedigna e regular.


Sou obrigado a retirar pro labore mensal?


Inicialmente vamos definir o que é pro labore. Em um mundo capitalista todos que trabalham e produzem devem ou deveriam receber algo pelo tempo e serviço prestado.


O sócio de uma empresa que trabalha na condução gerencial da mesma é equiparado a um funcionário sob tal aspecto. Trabalha, emprega seu tempo, emprega esforços e, por decorrência, deve ser remunerado pro labore ou pelo trabalho.


O pro labore nada mais é do que o salário do sócio. Entretanto, diferentemente de um funcionário, o sócio tem outra maneira de receber valores advindos das operações da empresa, o lucro (não iremos tratar sobre juros em face de capital próprio para não complicar). Nesse aspecto começa a controvérsia entre Previdência Social/RFB, empresários e outros órgão envolvidos: pode um sócio ser remunerado apenas por meio do lucro?


Analisando apenas pelo lado financeiro, o ganho para o empresário em receber valores totalmente por meio de lucros é enorme. Não paga imposto de renda e não tem desconto de INSS. O aspecto negativo se dá por não acessar a rede de benefícios previdenciários e aposentadoria. Obviamente, em sentido contrário, há evidente perda de recursos por parte da Previdência Social que tenta evitar tais perdas por meio de fiscalizações e interpretações contrárias à tese de que o sócio não pode deixar de retirar pro labore e de que mesmo deve ter valor compatível com o serviço desenvolvido e tempo empregado na condução dos negócios.


Em termos de legislação podemos dizer que não existe qualquer comando legal (claro e objetivo) que obrigue um sócio a retirar pro labore. Ocorre que em termos práticos há interpretação acerca da existência de dois tipos de sócios: o sócio capitalista/investidor e o sócio atuante ou administrador.


Se você é um sócio capitalista, colocou dinheiro no negócio mas não se envolve no trabalho diário, é perfeitamente explicável que receba apenas pela lucratividade da empresa. Se você é um sócio atuante e cuida da gestão e administração, aí sim começa a ficar confuso uma vez que a Receita Federal entende que se você trabalha deve ser remunerado e se deve ser remunerado temos a obrigatoriedade do pro labore.


A principal linha de defesa da Receita Federal pela obrigatoriedade do pro labore para sócios que trabalham no negócio e/ou, principalmente, "sociedades" ditas "individuais" (existem empresas constituídas por um único "sócio" como por exemplo as Eireli´s e as novas “sociedades” unipessoais de advogados compostas por um único sócio) é constituída por um Decreto e uma Instrução Normativa.


O Decreto 4.729/2003 modificou o regulamento da Previdência Social (Decreto 3.048/1999) a fim de incluir no rol de contribuintes individuais os sócios que recebem "remuneração decorrente do trabalho".


Art. 9º São segurados obrigatórios da previdência social as seguintes pessoas físicas:

[...]

V - como contribuinte individual:

[...]

e) o titular de firma individual urbana ou rural;

[...]

h) o sócio gerente e o sócio cotista que recebam remuneração decorrente de seu trabalho na sociedade por cotas de responsabilidade limitada, urbana ou rural; (Incluída pelo Decreto nº 3.265, de 1999)


Agora em 2020 tivemos a edição do Decreto 10.410/2020 que, modificando novamente a mesma área do Decreto 3.048/1999, atribuiu a seguinte redação ao ponto:


e) desde que receba remuneração decorrente de trabalho na empresa: (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020).

1. o empresário individual e o titular de empresa individual de responsabilidade limitada, urbana ou rural; (Incluído pelo Decreto nº 10.410, de 2020).

2. o diretor não empregado e o membro de conselho de administração de sociedade anônima; (Incluído pelo Decreto nº 10.410, de 2020).

3. o sócio de sociedade em nome coletivo; e (Incluído pelo Decreto nº 10.410, de 2020).

4. o sócio solidário, o sócio gerente, o sócio cotista e o administrador, quanto a este último, quando não for empregado em sociedade limitada, urbana ou rural; (Incluído pelo Decreto nº 10.410, de 2020).


Ou seja, na verdade o que o Decreto 10.410/2020 fez foi harmonizar o Decreto 3.048/1999 à Instrução Normativa RFB 971 de 2009 que assim versa sobre a obrigatoriedade de contribuição para sócios cotistas e administradores conforme define o artigo 9º:


Art. 9º Deve contribuir obrigatoriamente na qualidade de contribuinte individual:

XII – desde que receba remuneração decorrente de trabalho na empresa:

a) o empresário individual e o titular do capital social na empresa individual de responsabilidade limitada, conforme definidos nos arts. 966 e 980-A da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil; (Nova redação dada pela IN RFB nº 1.453/2014)

b) qualquer sócio nas sociedades em nome coletivo; (Nova redação dada pela IN RFB nº 1.071/2010)

C) o sócio administrador, o sócio cotista e o administrador não-sócio e não-empregado na sociedade limitada, urbana ou rural, conforme definido na Lei nº 10.406, de 2002 (Código Civil);

d) o membro de conselho de administração na sociedade anônima ou o diretor não-empregado que, participando ou não do risco econômico do empreendimento, seja eleito por assembléia geral dos acionistas para cargo de direção de sociedade anônima, desde que não mantidas as características inerentes à relação de emprego;

e) o membro de conselho fiscal de sociedade ou entidade de qualquer natureza;


E qual o problema na articulação conceitual acima? O problema é que as duas bases legais definem textualmente que o sócio é contribuinte obrigatório "desde que receba remuneração decorrente de trabalho na empresa" quando, em contrapartida, a Receita Federal entende que se o sócio trabalha na empresa ele deve ser remunerado. Entretanto falta algo: a obrigação legal para que o sócio retire pro labore. Essa ausência de obrigação legal inclusive é tratada em uma Solução de Consulta da própria RFB sobre o tema conforme abaixo:


SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 196 de 18 de Outubro de 2012

ASSUNTO: Contribuições Sociais Previdenciárias

EMENTA: SOCIEDADE SIMPLES. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PROFISSIONAIS RELATIVOS AO EXERCÍCIO DE PROFISSÕES LEGALMENTE REGULAMENTADAS CONTRIBUINTE INDIVIDUAL (SÓCIO). PRO-LABORE. REFORMA DA SOLUÇÃO DE CONSULTA SRRF09/DISIT N. 133/2012. Atualmente não há dispositivo legal que determine a obrigatoriedade de remuneração de sócios de sociedade simples mediante pro-labore.. Não há dispositivo legal que determine a obrigatoriedade de remuneração de sócios de sociedade simples mediante pro-labore. De acordo com o art. 201, § 5o, II, 1a parte, do Decreto n. 3.048/99, no caso de pagamentos (ou créditos) ao final do exercício, se estiver estipulado previamente, em contrato social (CC, art. 997, VII), que a sociedade não pagará pro-labore (isto é, os sócios-administradores serão remunerados só em função da lucratividade do capital - distribuição de lucros), há discriminação entre essas formas de pagamento, o que leva ao não recolhimento da contribuição previdenciária por inocorrência do fato imponível tributário (fato gerador). O prévio acerto intersócios de que a sociedade não os remunerará pelo trabalho (pro-labore), mas tão-somente em função do resultado (distribuição de lucros), serve de discriminação para afastar a incidência tributária relativa a esta hipótese de incidência. Decerto, previamente ao pagamento (ou crédito) deve haver a apuração do resultado que demonstre que houve lucro a ser distribuído. No caso de pagamentos (ou créditos) durante o exercício (art. 201, § 5o, II, parte final, do Decreto n. 3.048/99), não se considera adiantamento de lucros se houver balanço (ou balancete) prévio ao pagamento, o qual demonstre que a distribuição de lucro decorra efetivamente do resultado positivo (lucro) apurado previamente. Decerto, também nessa hipótese persiste a necessidade de prévia discriminação em contrato social (CC, art. 997, VII) em que fique discriminado que a sociedade somente remunerará o(s) sócio(s)-administrador(es) por meio de distribuição de lucros. O desatendimento a qualquer desses requisitos implica a incidência da contribuição previdenciária. Se houver recolhimento de contribuição previdenciária pelo sócio-administrador (segurado obrigatório - contribuinte individual) em razão do pagamento ou crédito relativo a antecipação de distribuição de lucros, é incabível a repetição do indébito, porquanto a relação do contribuinte individual (segurado obrigatório) perante à previdência social não é apenas jurídico-tributária. Ao recolher a contribuição previdenciária aos cofres públicos, não só o contribuinte individual (segurado especial) mas também seu(s) dependente(s) passam a gozar imediatamente (sem carência) da proteção previdenciária estatal para determinados benefícios, a depender do infortúnio. Ao recolher a contribuição previdenciária, o contribuinte individual (segurado obrigatório) tem uma relação jurídico-tributária-previdenciária, pois o contribuinte individual e a previdência social são reciprocamente devedores e credores: enquanto o contribuinte individual é devedor tributário da contribuição previdenciária e credor da proteção previdenciária; a previdência estatal é credora tributária da contribuição previdenciária (através da Secretaria da Receita Federal do Brasil - RFB) e devedora (através do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS) da proteção previdenciária. Portanto, há uma relação comutativa entre o contribuinte individual e a previdência social. Deveras, o sócio-administrador que não tenha recolhimento da respectiva contribuição previdenciária, em função do contrato social estabelecer que sua remuneração dar-se-á somente por meio da distribuição de lucros, não está proibido de se filiar à previdência estatal na qualidade de segurado facultativo, ou seja, pode, se quiser, recolher facultativamente para se ver protegido pela previdência estatal. Reforma-se, de ofício, a Solução de Consulta SRRF09/Disit n. 133/2012.


Em que pese os argumentos acima não raro as empresas se deparam com fiscalizações, ações de cobrança e até mesmo obstruções da emissão de CND (certidão negativa de débito) previdenciária sob o argumento de que pelo menos o sócio administrador deve obrigatoriamente retirar pro labore.


Não raro a Receita Federal autua empresas e sociedades sob argumento de que o valor retirado a título de pro labore está fora dos parâmetros razoáveis. Foi o que aconteceu, recentemente, com uma sociedade simples de médicos que prestam serviços para hospitais e planos de saúde que recebeu auto de infração da RFB sob argumento de que teria deixado de recolher a contribuição previdenciária que incidiriam sobre a "remuneração paga aos seus sócios" nos anos de 2006 e 2007.


Pelo entendimento do fisco, ainda que os médicos retirassem pro labore de um salário mínimo e o restante dos valores recebidos serem denominados "distribuição de lucros" eles deveriam contribuir inclusive sobre os lucros uma vez que o valor total recebido seria, na verdade, remuneração pelos serviços médicos prestados pelos sócios. Clique AQUI para ler notícia completa.


Na verdade a situação é um pouco mais complexa para sociedades que desenvolvam "atividades profissionais legalmente regulamentadas" (médicos, engenheiros, contadores, etc) tendo em vista que em 2009 o Decreto 3.048/1999 passou a ter a seguinte redação quanto à base de cálculo para recolhimento do INSS de sócios (§ 5º, art 201):


§ 5º No caso de sociedade civil de prestação de serviços profissionais relativos ao exercício de profissões legalmente regulamentadas, a contribuição da empresa referente aos segurados a que se referem as alíneas "g" a "i" do inciso V do art. 9º, observado o disposto no art. 225 e legislação específica, será de vinte por cento sobre:

I - a remuneração paga ou creditada aos sócios em decorrência de seu trabalho, de acordo com a escrituração contábil da empresa; ou

II - os valores totais pagos ou creditados aos sócios, ainda que a título de antecipação de lucro da pessoa jurídica, quando não houver discriminação entre a remuneração decorrente do trabalho e a proveniente do capital social ou tratar-se de adiantamento de resultado ainda não apurado por meio de demonstração de resultado do exercício.


Ou seja, caso se interprete que não há discriminação ou compatibilidade entre remuneração decorrente do trabalho e a proveniente de Capital Social pode ser tributado o lucro. O problema foi o "OU"...


Diante de todas as adversidades e dúvidas tratadas ao longo desse texto o que recomendamos é precaução. Abaixo damos algumas sugestões de procedimentos que podem diminuir o risco de problemas com a Receita Federal de maneira a não onerar excessivamente o empresário:


1. Mantenha sua contabilidade rigorosamente organizada, em dia e sob os cuidados de profissional ou empresa de confiança e habilitada. Veja que conforme dito ao longo do texto os documentos contábeis são essenciais para comprovação de lucro e efetiva distribuição parcial ou total;


2. Verifique se o Contrato Social de sua empresa conta com cláusulas que permitam levantamento de balanços antecipados, distribuição de lucros dissociados das cotas de capital e dispensa de retirada de pro labore para sócios (ainda que administradores ou gerentes);


3. Ainda que você seja um sócio que não trabalha ativamente na empresa retire pro labore nem que seja no valor mínimo de um salário mínimo federal. Os custos serão muito pequenos, você consegue acessar benefícios previdenciários, aposentadoria e ainda diminui a possibilidade de fiscalização ou bloqueio de CND.


Eduardo Lemos é Administrador de Empresas, Contador, Pós Graduado em Auditoria e Controladoria, Professor Universitário e Sócio Fundador do Grupo QUALICONT Cálculos Judiciais, Contabilidade e Legalizações

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