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Receita de vilarejos italianos para não desaparecer: casa por 1 euro e cheque de boas-vindas.

Venda de imóveis por um euro, cheque de 2 mil euros de boas-vindas, vales mensais de 200 euros - por dois anos - válidos no comércio local, moradia gratuita a famílias com crianças em idade escolar, concessão de terrenos agrícolas já cultivados e facilidade na obtenção de vistos para estrangeiros. Estas são apenas algumas das iniciativas lançadas nos últimos anos por prefeitos italianos na tentativa de atrair novos moradores a seus vilarejos.

Na Itália, país com cerca de 5.600 municípios com menos de 5 mil habitantes, o envelhecimento da população e o despovoamento das pequenas cidades colocam em risco seu patrimônio cultural e a própria existência econômica.

Embora concentrem menos de 20% da população total do país, os pequenos municípios são responsáveis por 93% da produção agrícola de qualidade e por quase 80% da produção de vinhos renomados.

"As aldeias medievais são a essência da Itália. É preciso reconstruir a nossa ideia de país, dando maior valor aos pequenos povoados e fazendo com que eles se tornem acessíveis e prazerosos para se viver, um lugar onde as pessoas queiram morar", afirma à BBC Brasil, Romina Mura, prefeita de Sadali, município com menos de mil habitantes, localizado na zona central da ilha de Sardenha.

Como em várias outras pequenas cidades, Romina decidiu oferecer incentivos econômicos para aumentar a população. Em 2013, a prefeita criou um programa dando às famílias que se transferissem para lá um vale mensal de 200 euros, durante dois anos, válido para compras no comércio local.

"Em 2010, tínhamos 928 habitantes, hoje, somos quase 980 residentes. Pode parecer pouco, mas é um crescimento maior do que o das cidades vizinhas".

Apesar dos resultados considerados positivos, o programa da prefeita foi interrompido dois anos depois de ter começado, por falta de recursos.

"Se eu pudesse contar com novos financiamentos, com certeza daria continuidade ao projeto", afirma a prefeita.

Casas a 1 euro

Entre as diversas medidas criadas por prefeitos para atrair novos residentes, inclui-se a venda de imóveis pelo preço de um euro. Em abril de 2016, o município de Ollolai, com 1,2 mil habitantes, iniciou a venda de casas abandonadas para atrair novas famílias.

O prefeito Efísio Arbau diz que as famílias podem optar. "Há quem prefira casas menores, mas com jardim, e outros que escolhem imóveis mais amplos, mesmo que necessitem de maiores reformas."

O único requisito para adquirir um dos 15 imóveis ainda disponíveis, explica Arbau, é garantir, por meio de um seguro, que a residência seja reformada e habitada em no máximo em 3 anos.

Vito Casula, o primeiro comprador, vê a iniciativa como uma excelente oportunidade.

"Contei a amigos que comprei uma casa por um euro, e muitos deles se interessaram. Inclusive alguns que emigraram para o exterior há anos, disseram que pretendem voltar a morar na Sardenha. Ollolai é um lugar ideal para se viver durante a aposentadoria", disse ao jornal local.

Residência eletiva

O prefeito afirma não fazer distinção entre a nacionalidade dos que pretendem comprar um imóvel na cidade. Todavia, para poder viver na Itália, os cidadãos de países que não pertecem à Comunidade Europeia devem solicitar, junto à embaixada italiana no próprio país, uma autorização de residência.

A concessão do visto, porém, é um processo rigoroso e depende de fatores como ter um trabalho garantido, ter familiares residentes na Itália, ou estar matriculado em algum curso de estudo reconhecido, entre outros.

Para quem dispõe de um patrimônio econômico significativo ou receba aposentadoria, a lei italiana prevê a possibilidade de obter uma autorização para residência eletiva.

"Os interessados devem comprovar ter uma renda econômica estável, regular e contínua, de no mínimo 31 mil euros por ano. Se houver um cônjuge, o valor mínimo da renda anual é aumentado em 20% e, para cada filho, outros 5%", afirma à BBC Brasil a advogada especializada em imigração, Donatella Sicomo.

"Outro requisito é comprovar ser proprietário de um imóvel ou, como locatário, ter um contrato de aluguel de uma habitação na Itália. Os documentos devem ser apresentados à Embaixada da Itália competente na região onde o estrangeiro vive", ressalta.

Problema em grandes cidades, imigração é vista como solução nas pequenas

Para o prefeito da pequena ilha de Ventotene, em Lázio, região central, a imigração regular seria a solução para o esvaziamento dos pequenos vilarejos italianos.

Para evitar o fechamento da única escola, com 10 alunos, Gerardo Santomauro fez um apelo em setembro deste ano convidando famílias de refugiados com filhos pequenos a irem morar na ilha.

"Enquanto o fenômeno da imigração representa um problema para as grandes cidades por falta de estruturas para acolhimento, nos pequenos vilarejos - que sofrem com o envelhecimento da população e o despovoamento - ela pode significar uma oportunidade de crescimento", disse à BBC Brasil.

De acordo com o prefeito, acolher famílias de refugiados com filhos em idade escolar, ou em orfanatos, no caso de crianças órfãs ou que chegaram à Itália sem os pais, traria vantagens imediatas aos habitantes.

"Com apenas um quilômetro quadrado de território, Ventotene é um ambiente ideal para as crianças crescerem".

"Além de garantir o funcionamento da escola, receberíamos novos serviços médicos". Estamos propondo um modelo de acolhimento e integração de imigrantes que pode inspirar outros municípios, inclusive fora do país", afirma.

"Milagre econômico italiano" ajudou a esvaziar vilarejos

O êxodo para as médias e grandes cidades italianas teve início na década de 1960, durante o chamado "milagre econômico italiano", quando muitos deixaram o campo em busca de melhores condições de vida. De lá pra cá, o baixo índice de natalidade e o envelhecimento da população têm contribuído para o esvaziamento das pequenas aldeias medievais.

Com cerca de 60 milhões de habitantes, a Itália registrou em 2016 a menor taxa de natalidade da União Europeia. Mesmo com a constante chegada de imigrantes, o número de nascimentos no país não tem superado o número de mortes.

Para promover o equilíbrio demográfico, o governo italiano aprovou, no final de setembro, um pacote de medidas com o objetivo de promover, de modo sustentável, o desenvolvimento econômico e social dos municípios com até 5 mil habitantes, estimulando a moradia nas pequenas cidades.

"O primeiro passo é mudar a ideia de que os vilarejos medievais são uma espécie de ruínas do passado", afirma à BBC Brasil o deputado Ermete Realacci, autor do projeto de lei.

"Investir nas pequenas aldeias não é cultuar o passado, mas apostar no futuro. Nossa capacidade de produzir arte, cultura e produtos de alta qualidade é difusa em nossos milhares de povoados. Este é nosso ponto forte, o que nos diferencia de outras nações".

A lei traz um conjunto de medidas que racionalizam os serviços básicos já existentes como escolas, postos de saúde, correio e transporte, através de acordos com federações e associações de classe.

Entre as prioridades está a instalação de banda larga de internet em vilarejos não cobertos por operadoras telefônicas, simplificar o procedimento administrativo para reformas em edifícios públicos e priorizar startups e projetos digitais de pequenos municípios.

"Para sermos competitivos hoje em dia não precisamos tanto de chaminés, mas de conexão veloz à internet, de produção agrícola de qualidade e de turismo diversificado", diz o autor da lei que tramitou por 16 anos antes de ser aprovada.

Financiamento

O governo italiano criou ainda um fundo de 100 milhões de euros, que deverão ser investidos até 2023, para financiar o desenvolvimento estrutural, econômico e social dos municípios que se encontram em dificuldade real, como as cidades recentemente atingidas por terremotos.

"Não é uma lei que diz às pessoas para estarem tranquilas que o Estado irá ajudarlhes. Todo devemos investir nas melhores características do nosso país".

Onde estão os incentivos

Outras pequenas cidades italianas também adotaram incentivos. Veja abaixo:

San Giovanni d'Asso (Siena)

Em 2012, o prefeito do povoado de San Giovanni d'Asso, na região Toscana, Michele Boscagli, lançou um programa oferendo um bônus de 300 euros mensais, durante um ano, para quem decidisse alugar uma casa no município. A medida não conseguiu reverter o despovoamento da cidade que contava então com cerca de 900 habitantes. Em janeiro de 2017 acabou sendo incorporada pelo município vizinho, Montalcino, conhecido pela produção do vinho Brunello.

Candela (Foggia)

Em fevereiro de 2017, o prefeito de Candela, Nicola Gatta, lançou um incentivo econômico para os novos residentes que comprovassem dispor de uma renda anual superior a 7.500 euros. Os valores oferecidos são de 800 euros para solteiros, 1.200 euros para casais, 1.800 euros para famílias com até 3 pessoas e 2 mil euros para famílias com quatro ou mais integrantes. A medida prevê também descontos em impostos locais e em creches. Seis famílias do norte do país aderiram à iniciativa e se já se transferiram para Candela.

Quiliano (Savona)

Em 2013, o prefeito de Quiliano, Alberto Ferrando, colocou a disposição de novos habitantes um terreno para ser cultivado, em concessão gratuita, por seis anos. O requisito era que o agricultor mantivesse as árvores de frutas características da região, como pessegueiros e parreiras.

Bormida (Liguria)

A política de concessão de incentivos para atrair novos moradores também é adotada na pequena cidade de Bormida, no norte do país, e acabou gerando uma avalanche de pedidos de residência no município. A razão, porém, foi um grande mal entendido. Veículos de comunicação de diferentes partes do mundo divulgaram que a cidade de 394 habitantes doaria 2 mil euros (quase R$ 7 mil) para quem se mudasse para lá. Mas não era bem isso. Daniele Galliano, prefeito da cidade, tem oferecido subsídios de aluguel, para cidadãos italianos. Ele também tinha a ideia de dar 2 mil euros para quem quisesse comprar uma casa na cidade. E foi daí que surgiu a confusão na imprensa."Foi apenas uma ideia que quis propor aos líderes da região de Liguria", disse Galliano à BBC Brasil, em entrevista concedida na época

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