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Lei Complementar 157/17 gerou bagunça sobre ISS das sociedades de advogados

Nota de Eduardo Lemos: apesar da matéria ser direcionada para sociedade de advogados se aplica também à demais sociedades que pagam ISS em valor fixo (médicos, engenheiros, arquitetos, etc). No município do Rio de Janeiro o fim do ISS uniprofissional em valor fixo já foi rejeitado em 21/12/2017 (veja aqui) mas a discussão permanece em outros municípios.

O Brasil tem 5.570 municípios, e a Constituição atribuiu a cada qual competência para legislar sobre o ISS. Recentemente, a Lei Complementar 156/16 alterou algumas regras referentes a esse imposto, e também modificou a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) inserindo a seguinte norma (Art. 10-A):


“Constitui ato de improbidade administrativa qualquer ação ou omissão para conceder, aplicar ou manter benefício financeiro ou tributário contrário ao que dispõem o caput e o §1º do art. 8º-A da Lei Complementar 116, de 31 de julho de 2003.”


Esta norma (art. 8-A) estabeleceu como alíquota mínima o percentual de 2% sobre o valor do serviço prestado.


Essa alteração ocasionou um enorme rebuliço dentre os prefeitos, que ficaram temerosos de serem enquadrados na Lei de Improbidade, e saíram revogando os assim chamados de “regimes especiais” das sociedades de advogados existentes em vários desses municípios, evidentemente por má compreensão do sistema tributário e de hermenêutica jurídica.


Para compreender o que ocorreu é necessário retornar a normas anteriores, visando explicitar as modificações ocorridas, e o que isso implica no ISS das sociedades de advogados.


O regime jurídico de tributação das sociedades uniprofissionais obriga as municipalidades a cobrar valores fixos a título de ISS. Isso está versado no art. 9º, §1º, do Decreto-lei 406/68, combinado com o §3º do mesmo artigo, estando a atividade advocatícia inserida no item 88 da lista anexa àquela norma. Registre-se que estes artigos não constam do rol dos que foram revogadas pelo art. 10 da Lei Complementar 116/03.


Daí podem-se tirar algumas conclusões: 1) A tributação por valores fixos decorre da lei complementar que rege a matéria, a qual deve ser observada pelos municípios em suas leis ordinárias; 2) Apenas para recordar, o Decreto-lei 406, até mesmo por ser do ano de 1967, foi recepcionado pelo ordenamento jurídico brasileiro como tendo status de lei complementar, tal qual ocorreu com o CTN.


Ocorre que, por se tratar de uma exceção à regra geral, que é a utilização de alíquotas sobre o valor do serviço – o que se caracteriza como uma cobrança ad valorem, diversa da cobrança denominada de per capita – muitas municipalidades inscreveram tais regimes como sendo regimes especiais, e não como algo que decorre de lei; aliás, uma lei complementar, que uniformiza a cobrança desses tributos dentre todos os municípios brasileiros.


Daí decorre aquilo que denominei de má compreensão do sistema tributário, e de má hermenêutica jurídica, pois, não se trata de um regime especial, mas de uma obrigação legal. Logo, a manutenção de alíquotas fixas (per capita) para a cobrança dos valores de ISS das sociedades uniprofissionais, dentre as quais se encontram as que prestam serviços advocatícios, não são uma benesse concedida pelas municipalidades, uma espécie de “regime especial”, mas uma obrigação legal. Por isso não se inserem como “benefício tributário ou financeiro”, capaz de classificar os prefeitos como ímprobos, por descumprir a Lei Complementar 116/03.


Aliás, adotada uma visão rigorosamente positivista, o regime jurídico de tributação dessas sociedades nem se encontra na Lei Complementar 116/03, pois não foi por ela alterado, permanecendo no vetusto Decreto-lei 406/67, ainda vigente. Sob o prisma do direito financeiro sancionador, as normas punitivas devem ser interpretadas de modo restrito, e se a novel legislação (art. 10-A, acima transcrito) faz referência à Lei Complementar 116/03, só as infrações a ela podem ser apenadas.


Ocorre que os efeitos dessa norma foram perversos para as sociedades, pois, incontáveis prefeitos revogaram os “regimes especiais” das sociedades, obrigando-as a pagar alíquotas ad valorem, muitas das quais no percentual de 5%, já que a alíquota mínima, imposta pela lei complementar (art. 8-A) era de 2%.


Outros municípios, todavia, pegaram carona na balbúrdia interpretativa e aprovaram leis que, a pretexto de não caracterizar tratamento favorável, majoraram fortemente o valor mensal per capita que tais sociedades devem pagar, e inseriram no cálculo todas as pessoas que constam da procuração, sob o argumento de estarem cumprindo o Decreto-lei 406/67.


De fato, o art. 9º, §3º, do Decreto-lei 406 determina que o valor do ISS das sociedades seja “calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável”. Ocorre que a execução desse preceito acabou por gerar outro tipo de perversidade em diversos municípios.


Primeira: o fato de o advogado constar da procuração não quer dizer que ele tenha trabalhado naquele mês, ou mesmo naquele caso — o advogado pode estar de férias, ou mesmo ter se desligado do escritório, embora seu nome conste nos autos, em um processo iniciado anos antes.


Segunda: pode ser que a procuração contenha advogados que atuem em municípios diversos daquele em que a cobrança de ISS esteja sendo efetuada; logo, o sujeito ativo da cobrança seria diverso daquele que a está exercendo.


Terceira: muitos municípios cobram ISS do advogado não-celetista que presta serviços à sociedade, e também inserem o mesmo advogado no cômputo do ISS das sociedades, o que notadamente identifica uma duplicidade de cobrança. Foram identificados esses enganos em diversos pontos do território nacional.


Houve município que criou uma espécie de conta-corrente com as sociedades, estabelecendo a cobrança de ISS per capita, mas determinando que, após certo tempo, seria feito um acerto de contas para ver se o sistema ad valorem seria maior ou menor, devendo ser paga a diferença.


Por fim, em alguns municípios houve tão grande majoração dos valores cobrados per capita que, somado à aplicação indevida do número de advogados de cada sociedade, conforme acima apontado, acarretou uma incidência de ISS tão elevada que muitas sociedades pagariam menos, se fosse possível ser adotado o sistema ad valorem com alíquota de 2%.


O fato é que essa má interpretação da alteração normativa efetuada pela Lei Complementar 157/17 vem gerando insegurança jurídica em muitos dos 5.540 municípios brasileiros, o que deve ser pacificado de imediato, sob pena de judicialização em massa. É importante que as procuradorias municipais ou mesmo os serviços de advocacia que atendem essas municipalidades estejam atentos a isso, e corrijam ainda a tempo.


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